Este é o blog do Curso de Produção Literária, oferecido desde 2011 pelo Núcleo de Formação da Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa", da Secretaria Municipal de Cultura de Araraquara.
28 de jul. de 2013
Modernismo etc.
No segundo semestre de 2013, o Módulo III - Literatura Brasileira do Curso de Produção Literária vai trabalhar Modernismo e Literatura Contemporânea.
Já nesta próxima segunda-feira, 29 de julho, teremos Oswald de Andrade, Alcântara Machado e Manuel Bandeira inaugurando essa segunda etapa do módulo.
Mesmo não tendo frequentado o primeiro semestre, os interessados ainda podem se inscrever.
Confira abaixo o programa do final de julho até início de setembro:
29/07 - Pré-Modernismo, Modernismo & Semana de Arte Moderna de 1922
05/08 - Mário de Andrade: Macunaíma
12/08 - Poesia Modernista (Cecília Meireles, Jorge de Lima e Murilo Mendes, entre outros)
19/08 - Recesso: Semana do Aniversário de Araraquara
26/08 - Carlos Drummond de Andrade
02/09 - Pós-Modernismo (Vinicius de Moraes, Mário Quintana e João Cabral de Melo Neto, entre outros)
As aulas do Módulo III - Literatura Brasileira são ministradas às segundas-feiras, das 18:00h às 19:30h, na sala P2 da Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa".
Inscreva-se já!
Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa"
Rua São Bento 909, Centro
Araraquara - SP
(16) 3333-1159
23 de jul. de 2013
Negrinha, de Monteiro Lobato
Negrinha era uma pobre órfã de
sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos
assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.
Excelente senhora, a patroa.
Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e
camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de
balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando
audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes
virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de
criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a
calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da
carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava
logo nervosa:
— Quem é a peste que está
chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de
lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha
e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho
beliscões de desespero.
— Cale a boca, diabo!
No entanto, aquele choro nunca
vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e
fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra,
atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali
ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos
grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a
mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase
não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as
plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
— Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha imobilizava-se no
canto, horas e horas.
— Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava os bracinhos a tremer,
sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro,
cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a
janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se
então por dentro, feliz um instante.
Puseram-na depois a fazer
crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
Que idéia faria de si essa
criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja,
barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira,
bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de
apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia
andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim
— por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista.
Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar
a peste...
O corpo de Negrinha era tatuado
de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse
ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e
beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de
dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua
cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...
A excelente dona Inácia era
mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de
escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o
bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a
branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada
ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse:
“Como é ruim, a sinhá!”...
O 13 de Maio tirou-lhe das mãos
o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para
os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai! Como alivia a gente uma
boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso,
judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de
dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar
a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama
inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo,
equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos,
pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível,
cortante: para “doer fino” nada melhor!
Era pouco, mas antes isso do que
nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e
matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.
Não sabem! Ora! Uma criada nova
furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho de carne que ela
vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta — atirou-lhe um dos
nomes com que a mimoseavam todos os dias.
— “Peste?” Espere aí! Você vai
ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.
Dona Inácia estava azeda,
necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.
— Eu curo ela! — disse, e
desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a rufar
as saias.
— Traga um ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesmo
pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na prelibação da tortura,
ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera
criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca
visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
— Venha cá!
Negrinha aproximou-se.
— Abra a boca!
Negrinha abriu aboca, como o
cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água
“pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse,
suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente,
pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo.
Depois:
— Diga nomes feios aos mais
velhos outra vez, ouviu, peste?
E a virtuosa dama voltou
contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que chegava.
— Ah, monsenhor! Não se pode ser
boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da Cesária — mas que
trabalheira me dá!
— A caridade é a mais bela das
virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre.
— Sim, mas cansa...
— Quem dá aos pobres empresta a
Deus.
A boa senhora suspirou
resignadamente.
— Inda é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as
férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras,
ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Do seu canto na sala do trono,
Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando
e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente
para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o
raio dum castigo tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria-se
também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu
inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio
para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade
humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de
todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga”?
Com lágrimas dolorosas, menos de
dor física que de angústia moral —sofrimento novo que se vinha acrescer aos já
conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre.
— Quem é, titia? — perguntou uma
das meninas, curiosa.
— Quem há de ser? — disse a tia,
num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas
pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem
por aí afora.
— Brinquem! Brincar! Como seria
bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha,
que até ali só brincara em imaginação com o cuco.
Chegaram as malas e logo:
— Meus brinquedos! — reclamaram
as duas meninas.
Uma criada abriu-as e tirou os
brinquedos.
Que maravilha! Um cavalo de
pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante.
Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que
falava “mamã”... que dormia...
Era de êxtase o olhar de
Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas
compreendeu que era uma criança artificial.
— É feita?... — perguntou,
extasiada.
E dominada pelo enlevo, num
momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a arrumação das
meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo, e aproximou-se da
criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de
pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo.
— Nunca viu boneca?
— Boneca? — repetiu Negrinha. —
Chama-se Boneca?
Riram-se as fidalgas de tanta
ingenuidade.
— Como é boba! — disseram. — E
você como se chama?
— Negrinha.
As meninas novamente torceram-se
de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram,
apresentando-lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados,
ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível?
Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino,
sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a
porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a
rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho
foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia
entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das
hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante
da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez
na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha
havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e
hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor
assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que
sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras
que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e
vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a
patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga.
Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu
na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a
alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a
boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher:
o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois
disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu
nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do
mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz.
Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante
ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se
vibrava!
Assim foi — e essa consciência a
matou.
Terminadas as férias, partiram
as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só
não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.
Dona Inácia, pensativa, já a não
atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a
vida.
Negrinha, não obstante, caíra
numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos
olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.
Aquele dezembro de férias,
luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a.
Brincara ao sol, no jardim. Brincara!...
Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer
mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação.
Desabrochara-se de alma.
Morreu na esteirinha rota,
abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu
com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis.
E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do
céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.
Veio a tontura; uma névoa
envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram
vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se apagando. O vermelho da
goela desmaiou...
E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra
papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma miséria, trinta
quilos mal pesados...
E de Negrinha ficaram no mundo
apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas.
— “Lembras-te daquela bobinha da
titia, que nunca vira boneca?”
Outra de saudade, no nó dos
dedos de dona Inácia.
—
“Como era boa para um cocre!...”16 de jul. de 2013
Liquidificador, de Victor Costa
A Flip estava diferente. Na última edição, por exemplo, era Drummond pra todos os lados: estátua, fotos, trechos de poemas. Já este ano, Graciliano Ramos, o escritor homenageado, ficou de lado. Houve eventos interessantes nas duas casas Folha, no Instituto Moreira Salles, na Casa da Cultura, na Casa do Autor Roteirista, com uma programação paralela muito mais diversificada que em outras edições.
No
sábado pela manhã, a Casa Folha 2 ficou entupida de gente. Alguns dos que
estavam do lado de fora nem sabiam o que acontecia e mesmo assim se acumulavam
na Rua do Comércio. Do lado de dentro, Zeca Camargo falava do livro “Nu”, uma autobiografia.
À tarde, o que mais me chamou a atenção na programação foi
um bate-papo na Casa do Autor Roteirista, com o diretor de cinema e televisão
Luiz Fernando Carvalho. Entre outras coisas, ele falou da sua experiência na
elaboração do roteiro de seus filmes, na direção de algumas novelas como Helena e Esperança; ainda comentou sua minissérie Subúrbia, que foi ao
ar no ano passado, na Rede Globo. O local ficou lotado, obviamente. Vários
globais apareceram no evento. Quando terminou, fui até a Mariana Ximenes e pedi
pra mãe dela tirar uma foto nossa, depois tirei uma com José de Abreu e, por
fim, com Thelma Guedes, autora de telenovelas como O profeta, Cama de
gato e Cordel Encantado. Eu disse que adoro o trabalho dela e blá blá blá.
E à noite, como de costume, tudo terminou em pizza.
No domingo depois do almoço fomos a caminho da Estrada Real,
mas acabamos dentro da mata, nas pedras duma cachoeira. Entre fotos e
escorregões salvaram-se todos. E nós nem sabíamos que a maior aventura seria na
volta, a caminho de Araraquara.
Victor Costa
9 de jul. de 2013
11ª FLIP
Nossa expedição à Festa Literária Internacional
de Paraty melhora a cada ano que passa. Apesar dos muitos problemas que
surgiram para assombrar a organização deste ano ― como pousadas que não
respondiam, prazos de reservas que se estouravam e números de integrantes que
variavam ―, a Produção Literária conseguiu, pela terceira vez, realizar sua
excursão anual à FLIP e retornar sã e salva para contar a história. Em sua 11ª
edição, o evento ofereceu mais atividades "paralelas" que nos anos
anteriores: aliás, atividades estas, que sinceramente despertaram muito mais
interesse em nós do que as atividades principais. O escritor, político e
jornalista alagoano Graciliano Ramos, o homenageado da vez, apareceu pouco, e
talvez tenha surgido daí a sensação de que as atrações dos espaços secundários estavam
mais atraentes. Mas há de se destacar o ponto sempre positivo, que é a
oportunidade que os membros da expedição têm de conhecer pessoalmente os
escritores, artistas e formadores de opiniões, além, é claro, de viver toda
essa experiência que é o passeio propriamente dito, como participar do
lançamento de um livro, assistir a um bate-papo e até mesmo cruzar com um autor
no meio da rua, visitar uma exposição de arte e sentar-se à beira da praia do
Pontal só para ver o mar.
Saímos de Araraquara no horário usual, alcançando Paraty na madrugada do
sábado. A expedição instalou-se próximo ao Campo de Aviação, na casa de uma
família paratiense, que nos recebeu com um belo café da manhã. Caminhamos então
até o Centro Histórico, seguindo indicações dos locais e conhecendo o "outro
lado" da cidade ― a Paraty de verdade ―, parando um pouco na Praça do
Chafariz: limiar entre o universo urbano contemporâneo e o centro propriamente
histórico. Na Casa Folha I, assistimos ao lançamento do livro Heidegger urgente - introdução a um novo
pensar (Ed. Três Estrelas, 2013), de Oswaldo Giacoia Jr, professor de
filosofia da Unicamp. Na ocasião, encontramos também o Luiz Felipe Pondé, com
seu cachimbo, cuja palestra a respeito de suas pesquisas sobre Nelson Rodrigues
assistimos em Poços de Caldas.
Talvez mais pelo excesso de atrações "paralelas" que pelo de
gente nas filas, desta vez não recolhemos tantos autógrafos dos autores. Mal
terminava a primeira parte do lançamento do professor Oswaldo Giacoia, outra explanação
tinha início na Casa Folha II: o apresentador Zeca Camargo estava divulgando sua
autobiografia, intitulada (provisoriamente?) Nu, a ser lançada em meio digital ainda este ano. Não sei se no
caso de livros digitais poderíamos dizer que a obra está "no prelo" ―
mais correto seria sugerir que ela está "no ciberespaço"? Para Nicole,
filha da nossa colega Magna Nagasawa, essa foi uma experiência muito legal.
"Ele fala bastante; não parou de falar! Ele tem pavor de médico!"
disse ela. O mediador, por sua vez "não fez muitas perguntas", como afirmou
Magna, porque "o livro dele é só sobre isso". Não que pertença ao
gênero autoajuda ― "muito pelo contrário" ―, mas o que ele mais
queria falar era sobre "como ele engordou e como ele tem pavor de médico".
"Também tem muitos detalhes sentimentais", completou Nicole. Não foi
possível conseguir autógrafos de Zeca Camargo: nem tanto porque ele deixou
depressa a sua palestra, mas mais porque não tinha livros para serem
autografados.
Visitamos a exposição da artista plástica Daniela Seixas na Casa Sesc e a
exposição sobre Graciliano Ramos na Casa da Cultura; encontramos atores famosos
na palestra do diretor Luiz Fernando Carvalho na Casa do Autor Roteirista e
escutamos indignações a respeito da "outra" Paraty ― aquela que não
sai nas fotografias de divulgação da FLIP, aquela que é feita substancialmente de
não-ficção, aquela que fica para lá do Campo de Aviação ― sugeridas pelo
escritor e colunista cearense Xico Sá outra vez na Casa Folha II. Da
programação principal, assistimos parte da Mesa 13, do lado de fora da Tenda do
Telão, em que Aleksandar Hemon, escritor norteamericano de origem bósnia, e
Laurent Binet, escritor francês, falavam sobre como a Literatura passa a ser um
reflexo dos acontecimentos históricos.
No meio da tarde, manifestações populares surpreenderam a festa literária:
uma grossa coluna ― posteriormente reduzida na mídia a algumas dezenas de
pessoas ― marchou levando cartazes em protesto, carregando bonecões (que por
sua vez também portavam dizeres), entoando frases indignadas e sendo seguidas
por uma pequena patrulha da Polícia Militar. O movimento Acorda Paraty atravessou a ponte ― fato este posteriormente
traduzido na mídia como um bloqueio estrategicamente deliberado para atrapalhar
a 11ª FLIP ― e seguiu marchando até a Prefeitura da cidade. Saúde, educação,
dignidade, fim da corrupção e fim da impunidade eram algumas das reivindicações
brasileiras que ecoavam também em Paraty este ano. Dentre elas, uma bastante
interessante: a quem serve a FLIP, se nos 361 demais dias do ano o município
alheia-se de educadores ou mesmo de investimentos em infraestrutura?
À noite, nossa pizza tradicional. No dia seguinte, mais uma volta no
Centro Histórico pela manhã, mais um passeio pelas tendas da festa literária e o
farto almoço na Cantina do André. À
tarde procuramos o Caminho do Ouro: não estando a estrada trafegável para a
nossa van, paramos à beira de um
riacho e desfrutamos de uma horinha junto à natureza. Confesso que também
escorreguei numa pedra e caí dentro do córrego. Mas ninguém fotografou meu
acidente. Por fim visitamos o Alambique
Paratiana.
Para Alessandra Zanasi, "Paraty tem o clima ideal para esse tipo de
evento. Uma cidade encantadora. Na FLIP mesmo, quase não entrei: fiquei mais
nos espaços agregados. A Casa Folha
trouxe gente de peso, mas num lugar muito pequeno. Ver Xico Sá foi terapêutico!
Ver o [Luiz Felipe] Pondé, uma emoção muito grande! É uma emoção muito grande
você ver quem você lê! Ainda mais eu, que sou folhista pra caramba!" Para ela, apesar do espaço pequeno ―
tão pequeno, que as pessoas estavam até mesmo sendo barradas ― "o pessoal
estava circulando bem, não me senti sufocada, nem nada! Apesar de todo o peso da FLIP, essa foi uma experiência
pra se repetir novamente. Vale a pena investir: valeu muito a pena!"
Fábio Baldo participou pela terceira vez da excursão da Produção Literária à FLIP: "Gostei do passeio, foi bem interessante. Gosto muito de
viajar com esse grupo, o pessoal é muito legal. Não teve problemas entre os
participantes. Fizemos novas amizades e mantivemos as velhas amizades."
"Como não compramos convites para as mesas, o interessante foi a
oportunidade de explorar as atividades alternativas da FLIP." afirma Sônia
Cassoli. "No meu caso, presenciei palestras na Casa Folha, onde pude
observar a organização, o perfil dos palestrantes e os temas escolhidos. Senti
apenas que a figura e a obra de Graciliano Ramos foram pouco exploradas nessa
FLIP. Tendo mais tempo, visitei o Centro Histórico e conheci o artesanato e as
artes plásticas locais."
Assim como a nossa época, o evento foi marcado por comentários sobre
reivindicações justas. Não visitamos o Forte Defensor Perpétuo desta vez, mas
fica para o ano que vem.
Leia também as matérias publicadas no site da Prefeitura Municipal de Araraquara, no portal Sua Cidade e no jornal O Imparcial (nr. 211.430, ano 83, 12/07/2013 p. 14).
Leia as impressões particulares de Victor Costa sobre a expedição deste ano.
Relembre a nossa visita à 10ª FLIP clicando aqui; releia também as crônicas de Murilo Reis, de Wellington Marcolino e de Victor Costa sobre aquela ocasião.
Leia as impressões particulares de Victor Costa sobre a expedição deste ano.
Relembre a nossa visita à 10ª FLIP clicando aqui; releia também as crônicas de Murilo Reis, de Wellington Marcolino e de Victor Costa sobre aquela ocasião.
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