Leia a matéria sobre a Mostra de Encerramento da Produção Literária 2013.
Este é o blog do Curso de Produção Literária, oferecido desde 2011 pelo Núcleo de Formação da Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa", da Secretaria Municipal de Cultura de Araraquara.
5 de nov. de 2013
Mostra de Encerramento na TV Ara
Assista abaixo parte da matéria sobre a Mostra de Encerramento da Produção Literária 2013, apresentada na última terça-feira, 05 de novembro, no Jornal da TV Ara.
Leia a matéria sobre a Mostra de Encerramento da Produção Literária 2013.
Leia a matéria sobre a Mostra de Encerramento da Produção Literária 2013.
4 de nov. de 2013
Mostra de Encerramento 2013
Fotografias: Pâmela Lino |
Estreou nesta segunda-feira, 04 de novembro, a Mostra do Núcleo de Formação da Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa", reunindo o material produzido pelos alunos dos Cursos de Desenho e Anatomia (prof. Sebastião Seabra), Desenho Artístico (prof. Rodrigo Romão), Pintura Aquarelada (prof. Ruy César), Desenho de Moda (prof.ª Jaqueline Figueiredo), Pintura em Tela (prof.ª Maria Helena Piratelli) e Produção Literária (prof. Assis Furtado).
Atendendo aos pedidos do público, pela primeira vez nesses três anos de atividades a Produção Literária exibe os textos na íntegra, tanto em prosa, quanto em verso. A direção de Arte ficou a cargo de Pâmela Lino, que, além de ilustrar as obras com fotografias de seu acervo pessoal, recolheu também ilustrações sugeridas pelos próprios alunos, assim como imagens utilizadas em sala de aula em propostas de exercícios.
A Produção Literária realizou uma minuciosa retrospectiva, que ficou em exibição na Biblioteca Pública Municipal "Mário de Andrade" ao longo do último outubro. O evento debruçou-se sobre as principais atividades realizadas nos últimos três anos. A Mostra de Encerramento do Curso de Produção Literária traz agora aos visitantes os melhores resultados obtidos pelos alunos, ficando em cartaz em curtíssima temporada: até sábado, 9 de novembro. Os destaques são o poema Retrato em preto e branco, de Victor Costa, premiado com a 1ª colocação na categoria poesia do 9º Concurso Francisco Beltrão de Literatura, e o poema visual Outdoor, de Lígia Moscardini, selecionado na fase municipal do Mapa Cultural Paulista 2013-2014.
Renato Alves e Pâmela Lino |
Os textos em exibição são os seguintes:
Olhar tranquilo - miniconto de Edileuza de Souza Ciarlo
Outdoor - poema visual de Lígia Moscardini
Nocaute - conto de Renato Alves
O começo do fim - crônica de Sônia Cassoli
A sogra - conto de Tito Cassoni
Jack Sparrow - poema de Victor Perone
Retrato em preto e branco - poema de Victor Costa
Indiferença - miniconto de Yvone Salete Z. da Silva
Mostra do Núcleo de Formação
da Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa"
Rua São Bento 909
Centro, Araraquara - SP
de 04 a 09 de novembro
09h-22h (sábado 09h-13h)
Relembre a Mostra de Encerramento da Produção Literária 2012.
Leia a notícia no site da Prefeitura Municipal de Araraquara.
Leia sobre a Mostra do Núcleo de Formação no site da Prefeitura Municipal de Araraquara,
...e nos portais de notícias G1, Sim!News e Agenciara.
28 de out. de 2013
O olhar, de Victor Costa
Victor
Costa
“Há quem não saiba
dizer a verdade.”
É
isso aí - Ana Carolina
Foto: Pâmela Lino
|
Caminhando
a passos largos, observo a lua esquecida no céu. Esta “melancolia celeste” me
aquieta a inquietude. Viro a última esquina antes de chegar a casa. Passo por
um vendedor de flores gesticulando muito, agachado, conversando com duas
crianças sentadas no meio-fio. Aparenta muita vivência pelo que diz e me faz
refletir. Encosto-me ao muro e hesito em entrar. Agora o que eu mais queria era
ser uma criança.
Retomo a
coragem, depois de alguns minutos. Entro na casa. Ela está na sala, recostada na janela, de pé,
alisando com as mãos seus cabelos brancos; o olhar pensante. Tento aproveitar
sua distração e de súbito me livrar deste infortúnio, falar logo o que
aconteceu e sair daqui correndo com todas as minhas forças, até as pernas não
aguentarem, para o lugar mais longe possível, onde eu não presencie o seu
sofrimento. Mas ela percebe minha presença e se volta para mim; anda,
arrastando lentamente os chinelos carcomidos na minha direção: “Pensei que cê num vinha… Já ia deitá… Cê qué um café meu fi? Cê tá estranho… Que aconteceu? Comé quele tá?”.
Eu abro a boca, insisto, tento dizer algo, qualquer coisa
que seja, um “oi”, um “adeus”, mas a voz não sai — e é melhor assim. Ela
estende os braços e antes que eles alcancem meu corpo e me envolvam, saio rapidamente,
cambaleando as pernas trêmulas e me agarro ao portão; vejo, do outro lado da
rua, o vendedor de flores.
Respiro ofegante. Tento abocanhar o ar que parece
inexistir. Eu espio o homem e ele deixa as crianças, pega seu cesto, me faz um
sinal, abaixa a cabeça e sai andando, como se me compreendesse mesmo sem saber
o que acontece — nem eu sei. Tenho vontade de falar com ele, me abrir, lhe contar
o que aconteceu naquele hospital, me expor completamente ao avesso para o crivo
da sua velhice.
Mas estapeio o rosto, com raiva, várias vezes, tentando
espantar o medo. Por que eu? Por que eu tenho que dar a notícia? Por quê?!
Com tanta gente na família… Ela retornou para a janela e está observando minha
covardia ali de cima, quieta. Entro na sala, novamente, pensando numa maneira
de iniciar a conversa: “Sabe, quando eu estava vindo para cá, eu vi um senhor
conversando com umas crianças, e…” Ela interrompe. “Fi, cê acredita em milagre?” pergunta. E me paralisa com seu olhar: uma mistura de
inocência, cansaço, esperança: como se enxergasse algo além de mim; além do que
sua pouca visão lhe permite.
Caio no sofá com um “nó” na garganta. Sufocado. Ela me
tortura com esse olhar e eu correspondo, exasperado, sem reação, indefeso a ele
e a mim. E aponto para a janela, disfarçando, tentando distraí-la. Mas ela não
se mexe. Continua me olhando. A pergunta ainda ecoa dentro de mim, me provocando,
querendo uma brecha para reverberar o que penso e o que sinto.
Como dizer que
a partir de hoje ela vai colocar apenas um
prato na mesa; que vai dormir sozinha;
que vai sobrar espaço na cama; que sua
vida agora é um monólogo; que no seu
vocabulário o pronome nós — ou nóis, como
ela diz — deve ser riscado, esquecido?
Como?!
Ela senta ao meu lado. Eu
fecho os olhos; abaixo a cabeça; cerro os dentes, tentando segurar o choro — inutilmente. Ela passa a mão quente, trêmula,
no meu rosto: “O irmão dele tá aí
fora… Vei de longe como ocê… Qué sabê do irmão fi… Me
conta comé quele ta! Pode falá!”.
Eu olho para ela e as lágrimas são tantas que eu já não
enxergo nada. Puxo o corpo magricelo dela, aperto-o com tanta força… E me
debruço no seu colo, molhando seu vestido fino. Ela, com dificuldade, segura
minha cabeça, guiando meus olhos aos seus; pronuncia algo em meio aos soluços:
“Fi, não precisa falá nada não. Eu já intendi.”
Premiado no 9º Concurso Francisco Beltrão de Literatura, 3º lugar na categoria conto.
22 de out. de 2013
Três alunos premiados em outubro
Fotografias: Pâmela Lino |
É com grande orgulho e satisfação que a
Produção Literária vem anunciar que neste mês de outubro os alunos Victor
Costa, Elias Araújo e Lígia Moscardini foram selecionados e premiados em alguns
concursos literários. Victor, inclusive, foi duplamente premiado no 9º Concurso Francisco Beltrão de Literatura,
promovido pelo Departamento Municipal de Cultura de
Francisco Beltrão (PR). Seu poema Retrato
em preto e branco conquistou o primeiro lugar na categoria poesia, enquanto seu conto O olhar recebeu o terceiro lugar da
categoria conto. Segundo Victor, ele foi
surpreendido com o telefonema anunciando a premiação: demorou um pouco para que
acreditasse.
Já Elias Araújo, egresso da Produção Literária 2012, levou o terceiro lugar na categoria poesia, com a obra Utopia
literária social. Entre outros prêmios literários, conquistou no ano
passado o importante prêmio da 12ª Feira
Nacional do Livro de Ribeirão Preto com seu poema Dois ponteiros e alguns versos. Além dessa premiação, no início do mês ele teve o conto A caçadora de poentes selecionado no VII
CLIPP - Concurso
Literário de Presidente Prudente (SP),
realizado pela Secretaria Municipal de Cultura daquele município. Recentemente,
Elias ficou em segundo lugar no 8º Prêmio Escriba de Contos, e igual
posição no XXXVI Concurso LiterárioFelippe d’Oliveira na categoria crônica. “Eu escrevo já há algum tempo,
mas faz bem pouco que resolvi testar meus textos em concursos.”, ele afirma, “E
só foi no ano passado [2012] que resolvi procurar um curso sério que me
ajudasse a sistematizar profissionalmente meu trabalho, o que eu consegui no
Curso de Produção Literária. Isso me ajudou muito a olhar meus escritos com olhos de escritor. Conheço — não
pessoalmente — escritores, aspirantes como eu, que têm preconceito contra
concursos literários. Alguns dizem que escritor tem que escrever e não correr
atrás de prêmios. Mas eu afirmo e repito: os concursos são excelentes portas e
janelas para os iniciantes, pois é através deles que conseguimos testar nossos
textos.”
O conto A educação pelos dedos, da aluna Lígia Moscardini, também foi selecionado no CLIPP, mas sua principal conquista foi a
classificação de seu poema visual Outdoor
na fase municipal do Mapa Cultural Paulista 2013 —
em suas palavras, “um evento de peso no Estado de São Paulo”, do qual ela adorou
participar. “O interessante dos concursos literários é que permitem um certo
foco, bem como novas produções que nem sempre imaginamos. Por exemplo, se não houvesse
um concurso com o tema braille, acho
que eu nunca teria escrito o texto selecionado para o CLIPP. E acho que o Curso de Produção Literária permite esse foco
por meio das tarefas e comentários em sala. Além disso, há a agradável
convivência com colegas que também gostam de Literatura e procuram objetivos
semelhantes.” Lígia também foi selecionada para as antologias do Concurso de Poesias Big Time 2013 e no I Concurso de Prosa, Poema e Fotografia doJuventude Viva.
As obras premiadas de Victor Costa,
Elias Araújo e Lígia Moscardini compõem a Retrospectiva Produção Literária 2011-2013, em exibição na Biblioteca Pública Municipal “Mário
de Andrade” ao longo deste mês de outubro.
Leia abaixo, na íntegra, os poemas premiados no 9º Concurso Francisco Beltrão de Literatura: Retrato em branco e preto, de Victor Costa (1º lugar),
e Utopia literária social, de Elias
Araújo (3º lugar).
Retrato em preto e branco
Victor Costa
A história que resta nestes restos é pouca
E persistem, ainda, diante de mim,
As migalhas dum pão devorado subitamente…
Daqui, escorada na porta deste casebre, ainda de pé,
Olho o que sobrou de toda aquela gente:
Destroços, possibilidades, fé: um vasto nada!
Desvio o olhar, hesitante; duvido, ainda,
Diante do que há sob a luz do sol.
A toda hora, um retrato em preto e branco me domina, me tortura!
Volto, regredindo minha existência:
Crianças correm por essas ruas todas, descalças, inocentes,
Atrás duma bola que, ligeira,
lhes guia livremente…
E num terrível entrelaçar de acontecimentos,
Homens camuflados em prepotência desfazem os destinos alheios;
Um amontoado de corpos, armas e arames restringe a passagem;
As crianças se enroscam, todas.
Bombas eclodem; gritos me penetram os ouvidos, me paralisam o corpo.
Meu passado transpassa décadas,
Me questionando esta vida ávida — e que não deveria ser!
Que se transfigura numa flor de Lótus
E me nasce através do tempo, quando desconfio, hoje,
Já ter vivido muito mais do que me resta
E que no meu horizonte, irrevogavelmente, a vida se põe.
Mas há, ainda, uma vontade de reerguer
tudo.
Daqui do casebre, minha visão míope percebeu, há pouco,
Pessoas indo… e vindo… e indo…
Por que não mudam isso?!
Não viram? Não perceberam o que os cercava?
Talvez não fossem pessoas…
Meu corpo fraco renega-se a agir e
Meu ventre oco ecoa uma voz inquieta:
Onde estão as crianças?
Será que ainda correm com o mesmo vigor de antes?
Aquela bola, suja, murcha, eu agarro junto ao corpo
Tentando preencher algo.
Utopia literária social
Elias Araújo
Eu
escrevo um poema
onde
os meninos
saem
das ruas
e
caminham sobre meus versos
como
operários sociais
que
se reintegram à colmeia.
Eu
construo um romance
de
tantos capítulos
quantos
são os povos do planeta
e
todos os personagens são protagonistas
com
vitórias e conquistas:
sem guerras
sem
grandes
sem pequenos
sem vencedores
sem vencidos
sem opressores
sem oprimidos.
Eu
rascunho uma crônica
que
acompanha
o
dia a dia livre
de todos os dias livres
de
todas as noites livres
de cada pessoa livre
e
que conta seus sonhos e desejos
de
uma Liberdade sem fim.
Eu
reescrevo um conto
de
poucas páginas
mas
que conta uma história
tão
universal quanto a Igualdade,
cuja
personagem central
não
é única, mas feminina
e, como outras,
desprendeu-se
do solado das botas,
como
alguém que encontrou
a chave das portas.
Eu
produzo uma coletânea
escrita
a muitas mãos
pensada
a muitas cabeças
caminhada
a muitos pés
onde
os personagens são reais:
são homens
são mulheres
são crianças
são negros
são brancos
são judeus
são cristãos
são ateus
somos irmãos.
Leia a notícia no site da Prefeitura Municipal de Araraquara e no portal Sim!News.
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Victor Costa
15 de out. de 2013
Contos selecionados no VII CLIPP
Os alunos Elias Araújo, da Produção Literária 2012, e Lígia Moscardini foram classificados cada um com um conto no VII Concurso Literário de Presidente Prudente (SP), realizado pela Secretaria Municipal de Cultura daquela cidade. A premiação será em publicação impressa, isto é, eles receberão quinze exemplares da antologia que será editada.
A Produção Literária externa aqui seu orgulho de contar com mais premiações entre seus alunos e confere, ao mesmo tempo, seus parabéns aos trabalhos selecionados.
Seguem abaixo os contos:
A caçadora de poentes
Elias Araújo
Um dia tivemos uma surpresa tão inesperada quanto
indesejada. Vovó sumiu no final de tarde, levando apenas uma máquina
fotográfica velha, do século passado, de quando ainda era uma mocinha. Só soubemos
o que levou porque tinha passado o dia todo remexendo em coisas velhas,
guardadas no quartinho dos fundos. Vasculhou e deixou tudo com cara de depósito
de lixo só para encontrar a máquina. O engraçado é que ela mantinha numa gaveta
do guarda-roupa uns rolos de filmes que talvez nem funcionassem mais, de tão
antigos.
Começamos a ficar preocupados duas horas depois do
anoitecer, porque ligamos para um monte de gente e não a encontramos. Os
vizinhos não a viram sair, e teriam notado, já que raramente ela o fazia.
Quando voltou, estava cantarolando e dando pulinhos. Parecia
uma adolescente que escapara da vigia dos pais para se encontrar com o
namorado. Por um momento nós nos olhamos, dando risinhos nervosos, achando que
era aquilo mesmo, que vovó talvez tivesse encontrado um namorado. Aos oitenta e
cinco anos!
Tomei a frente dos meus pais, tios e primos e fui me
encontrar com ela do outro lado da rua. Dei-lhe o braço. Ela sorriu e
agradeceu.
— Bisa, onde a senhora se enfiou? — perguntei, sorrindo,
para não constrangê-la.
Atravessamos a rua com ela ainda sorrindo, sem se preocupar
com os olhares da família esperando a resposta.
— Uai! — disse ela, em sua habitual e última expressão de
mineirice que lhe restou. — Não fui muito longe. Só estava ali na Ponte do Lago
Zero caçando um poente.
Pelos olhares que vi ninguém entendeu nada. Ela foi do
sorriso de escárnio ao riso escancarado, como se fôssemos muito tolos por
acreditar nela. Entretanto, insistiu:
— Meus amores, eu só estava tirando uma foto do pôr-do-sol,
como o vovô e eu fazíamos antigamente. Vocês sabiam que a gente se conheceu na
Ponte do Lago Zero?
Sabíamos, claro. Ouvimos a história alguns milhares de vezes
desde que vovô foi conhecer o outro lado, como ela sempre dizia. Entramos com
ela em casa e nos preparamos para escutar as mesmas palavras mais uma vez: não
mudava uma vírgula, como se tivesse decorado um texto para o teatro. E ainda
falava com tanta emoção do primeiro beijo que vovô lhe dera que sorríamos vendo
os olhos dela brilharem.
Deixamo-la em sua casinha. Felizmente morávamos perto. E em
qualquer problema poderíamos socorrê-la rapidamente. Mesmo assim, aceitei seu
convite e passei a noite lá.
No dia seguinte, agiu como se nada tivesse acontecido.
Passou o dia limpando a casa em seu passinho enrugado. Fui para a escola após o
almoço. E quando voltei, vovó tinha sumido novamente. Esperamos pacientemente
até ela aparecer, com a máquina pendurada no braço como uma relíquia santa do
tempo. Fui ajudá-la novamente a atravessar a rua. E nem sei por que, afinal ela
andara uns bons quilômetros até a ponte. Sozinha.
— Bisa, eu vou dar pra senhora a minha máquina digital! —
exclamei ao examinar a máquina dela depois que ela mesma me explicou como
funcionava, como colocava o filme e batia a foto olhando por aquele minúsculo
retângulo de vidro e depois girava o botão pra avançar o filme. Fiquei de boca
aberta. Nem quis experimentar. Felizmente minha geração nunca tinha visto
aquilo. — Bisa, a minha máquina tem 12 megapixel, cartão de memória de 4 gigas
e visor led de 5 polegadas: é muito melhor pra senhora ver a foto. E se não
ficar boa, pode apagar e tirar outra mais bonita.
Ela ficou pensando, vi seus olhos vindo na minha direção bem
devagar. E deu aquele sorriso doce que eu adorava.
— Filhinho, tirar a foto e apagar? E tirar de novo? Mas aí o
momento único do poente vai ter passado.
Não entendi o que quis dizer, claro, mas insisti em lhe dar
minha máquina digital. Aceitou, mas nos dias que se seguiram, a máquina ficou
esquecida na cômoda do quarto enquanto ela ia caçar seus poentes com a velha
Kodak e seu rolo de 24 poses. Um dia cheguei da escola quando ela estava
saindo.
— Vai tirar foto de novo, Bisa? — perguntei, sorrindo. — O
pôr-do-sol é o mesmo todos os dias!
— De novo, não, filhinho. — retrucou ela. — Faz tanto tempo
que eu não vou caçar um poente na Ponte do Lago Zero! Senti saudades hoje. Você
sabia que eu conheci seu bisavô na Ponte, bem na hora do pôr-do-sol?
— Não sabia não, Bisa. — disse eu, emocionado, ao perceber
que algo não estava encaixado naquela antiga e forte engrenagem. — Me conte a
história.
— Ai, filhinho, quando eu voltar, conto tudinho pra você. —
ela falou e me beijou no rosto. Depois ficou me olhando. — Sabe que você é
muito parecido com seu bisavô?
Vovó nunca mais voltou para casa. Mergulhadores procuraram
por vários dias no Lago Zero e só nos trouxeram a velha máquina. Ao abri-la,
descobrimos que ela nem funcionava mais e que vovó sequer tinha colocado
pilhas. O filme de vovó havia acabado e não havia meios de rebobiná-lo.
A educação pelos dedos
Lígia Egídia
Moscardini
— Mas por que então ninguém me avisou?
Voltei
perplexa na escolha das aulas. O primeiro ano do Ensino Médio terá um aluno
cego. Há anos que eu dava aula lá, e nunca havia passado por isso... Me
disseram que foi por eu ser uma das professoras mais experientes. Mas me senti
traída. Tinha era um medo dessa história de inclusão. Como é que eu vou fazer?
Ele não vai copiar nada? Vai ficar jogado na sala? Tenho que tomar cuidado? Não
faço a menor ideia.
No primeiro
dia do bimestre, lá estava ele. Qualquer professor perceberia nele a vontade de
estudar. Os óculos escuros e a bengala branca não eram suficientes para ocultar
o sorriso que parecia entusiasmado em começar o Ensino Médio, na escola nova,
com tudo novo. Sentou-se mais depressa que minha disponibilidade em colocá-lo
na cadeira e, enquanto os outros colegas chegavam, me apresentei e falei um
pouco sobre a disciplina. Logo me falou um pouco dele, que aprendera braille,
que agora tinha a máquina de escrever, que não ia faltar mais nenhum dia, que a
outra escola era um pouco negligente.
— Não conseguia escrever direito,
os professores passavam a matéria muito rápido. Depois, me falaram esse ano que
não tinha mais vaga. Mas acho é que não
foram com a minha cara. Daí, eu vim pra cá.
— Veio pra cá porque gostou mais?
— É, parece melhor. E me aceitaram matricular também. E
outra, agora com a máquina de escrever em braile acho que não vou me atrasar
mais com nada.
Senti um pouco de compreensão e de revolta.
Porque eu também não sabia lidar com esse tipo de aluno, mas não era o caso de
tentar alguma coisa, o mínimo que fosse? Disse para se acalmar, que nem eu nem
outros professores seriam rápidos. Resolvi não encher tanto a lousa como de
costume e algum colega lia tudo em voz alta depois para que ele anotasse.
Parecia que acompanhava melhor a aula assim. Mas ainda me dava certa pena vê-lo
com aquele sacrifício para anotar as coisas.
De uma classe a outra, ele me vinha muito
em mente. Algumas vezes, o via escrever até na hora do intervalo. Numa dessas,
parei para conversar:
— Lucas, mas você vai ficar aí, não vai aproveitar o
intervalo, menino?
— É que eu tenho que terminar as
equações de matemática.
—
Equações? Mas com braille? Tem como?
— Ué, tem. Antes de eu aprender braile é que não tinha. Eu
sempre ficava
de exame em matemática. Ou os professores me passavam
direto, porque eu sou cego. E a máquina agora me deixa fazer tudo mais rápido.
— Você está certo em se
empenhar... Bem, quer que eu te busque um lanche?
— Que isso, Dona Leda... Já fui e já voltei, porque
precisava adiantar as coisas, fazer uns trabalhos aqui. E as provas estão aí, inclusive
a da senhora, né? — Concluiu com o sorriso que ele próprio nunca poderia ver.
Era
muita a vontade dele, apesar do problema que tem. Disse que precisava ir para a
sala dos professores. “As provas estão aí, inclusive a da senhora né?” essa
frase sempre me ressoava no inesperado, e me fazia voltar a ele. Tanto que, já ministradas as aulas da turma
dele, eu não me desligava. Precisava pensar: será que eu facilito a prova? Dou
a mesma prova para ele? Pergunto oralmente?
Mas ele já era tão revoltado com certas atitudes, me dizia que não era
surdo, que não era criança, que não era doente... É, para mim, seria mais uma
prova de bimestre, apenas para compor uma das notas. Mas para ele seria bem
mais do que isso. Era um ato de adaptação. De mérito. De semelhança com os
outros. De superação. Quer saber? Em vez
de xerocar as perguntas ou colocá-las na lousa, vou ditá-las oralmente, para
todo mundo. E o Lucas vai responder em braille. E outra coisa: quem vai
corrigir a prova dele serei eu.
Oito dias depois, vou com a folha de anotações das
perguntas.
—
Pessoal, sentem em carteiras distantes e silêncio, que eu vou ditar as
perguntas. Além dela, vou dar um trabalho escrito e duas redações. Qualquer
dúvida sobre as notas, podem me perguntar depois. Boa prova!
Mas não bastava garantir que
Lucas escrevesse do mesmo jeito que os colegas. Pouco depois, um outro aluno
estava decidido a criar caso, e levantou aos gritos:
— Professora, não dá!
Não consigo fazer a prova com o barulho desse negócio! Difícil pra quem
estudou, né? Deixa ele fazer prova oral em outra sala!
— Renato, não vou fazer isso.
— Se ninguém fizer nada eu faço. Lá na coordenadora da escola.
— Renato! A prova é
para a turma. E é exclusivamente escrita. Só acato sua reclamação se você
sugerir outro jeito de o Lucas escrever na prova dele. Fui clara?
Meio com raiva, ele se conformou.
A classe esperava uma reação minha nesse sentido. Era também preciso mostrar
que nos cabe olhar para o outro, não apenas em nossa individualidade. E que
isso começa na escola. Além de que o Lucas precisava de mais segurança em minha
aula e nessa tal prova que tanto o entusiasmava. Parecia, para ele, que era a
primeira vez que faria uma prova “de verdade”. Foram entregues. Mas não era só.
A do Lucas precisava ser corrigida, com o mesmo afinco e precisão do que as
outras. Isso, confesso, ainda me deixava um pouco apreensiva.
— Mas como é que você vai corrigir isso, Leda?
— Eu não sei... Mas que ele fez em braille,
fez. Não poderia deixar que fosse diferente.
Dias
depois, enquanto seguia com o currículo, ia pensando nas possibilidades. Não
tinha tempo nem dinheiro para fazer algum curso. Além disso, queria muito
entender o que é que aquele aluno escrevia. E fui tentar, inspirada no próprio
Lucas. Todos os dias, às cinco da manhã, busquei alguma coisa do sistema braille.
Isso me tomou algum tempo de sono, mas não era para sempre. Não demorou tanto e
já encontrava algumas pistas: há vários livros que ensinam braille. E são bem
explicativos. E tem cursos interativos na internet. E não, não era o bicho-de-sete-cabeças
que eu imaginava, embora exigisse treino. Na prática, uma substituição de
caracteres, com sequencias lógicas, o suficiente para ler. Enfim, demoraria bem menos tempo do que eu
esperava! Um misto de alívio e entusiasmo tomou conta de mim. Enchia o papel
com vários pontos em braille. Cerrei os olhos. E cada letra ia se formando na
incrível distância entre um pontinho e outro e, entre os vários grupos de
pequenos pontos, se formava letras, sílabas, palavras, frases. Um universo além
de meus olhos. Em que nenhum detalhe poderia passar indiferente. Todos os meus
sentidos dialogavam com aqueles pontos, a cada vez que trazia meu toque
comungado em palavras.
Enfim,
em questão de quinze dias, estava com todas as provas corrigidas. Lucas ficou
com oito, e alguns colegas conseguiram uma nota maior que essa. Mas não era
isso que eu via. Nenhuma era melhor ou pior. O fato é que eu vim com todas.
Todas. De todos os alunos. Entendi que incluí-lo não era defender, dar algo
mais fácil, negligenciar sua capacidade. Inclui-lo era deixa-lo igual. Com os
recursos dele. Que o aluno, especial ou não, precisava de um meio de acordo com
ele próprio, para que tenha seu espaço no todo. Além disso, entendi que ler
poderia ser diferente do que ver as palavras. De que não era preciso
necessariamente olhos para ver, enxergar, admitir, perceber, observar, sentir. Tudo
isso significa ler, de alguma forma. Importante, afinal, em qualquer aula, em
qualquer turma, para qualquer tipo de aluno. Admito, nunca imaginava o que a
linguagem dos cegos pudesse me fazer enxergar.
Leia também de Elias Araújo:
- Dois momentos, conto premiado em São João da Boa Vista (SP);
- Dois ponteiros e alguns versos, poema premiado em Ribeirão Preto (SP); e
- A longa espera, miniconto produzido a partir de exercício em aula da Produção Literária 2012.
Leia também de Lígia Moscardini:
- Outdoor, poema visual selecionado no Mapa Cultural Paulista 2013/2014.
Confira o resultado do VII Concurso Literário de Presidente Prudente clicando aqui.
10 de out. de 2013
Retrospectiva Produção Literária 2011-2013
A Biblioteca Pública Municipal "Mário de Andrade" expõe ao longo deste mês de outubro a Retrospectiva Produção Literária 2011-2013, em que são mostrados os trabalhos desenvolvidos pelos alunos nos últimos três anos letivos, além de farto acervo fotográfico documentado grande parte das atividades realizadas pela Produção Literária no período.
A Retrospectiva atende ao pedido especial da Biblioteca, que foi reinaugurada em agosto último, tendo recebido reformas tanto estruturais quanto em acessibilidade. Grande parte dos trabalhos produzidos pelos alunos foram lidos nos saraus que a Biblioteca realizava ao longo de 2011 e de 2012, daí a relação especial — e igualmente o carinho recíproco — que a Produção Literária mantém com a Biblioteca Pública Municipal "Mário de Andrade".
Entre o material produzido pelos alunos do Curso, vale destacar que o visitante da Retrospectiva poderá ver partes originais de exposições anteriores — tanto de mostras realizadas na Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa" quanto de obras estendidas no Sarau na Praça da Biblioteca. A Retrospectiva também apresenta mais de cinquenta fotografias: tanto imagens do acervo das atividades realizadas quanto ilustrações de trabalhos dos alunos. A maior parte das fotografias são de autoria de Pâmela Lino. As obras premiadas do aluno Elias Araújo também poderão ser lidas, assim como o poema visual da aluna Lígia Moscardini, selecionado na fase municipal do Mapa Regional Paulista 2013.
A Biblioteca Pública Municipal "Mário de Andrade" funciona de segunda a sexta-feira das 08h às 22h, e aos sábados das 09h às 12h. Está situada à Rua Carlos Gomes 1729, no Centro de Araraquara (SP). Maiores informações pelos telefones (16) 3332-0777 e 3322-3934. A visita à Retrospectiva Produção Literária 2011-2013 é gratuita e adequada para todas as idades.
Leia também sobre os saraus realizados na Biblioteca Pública Municipal "Mário de Andrade" em agosto de 2011 (blog antigo) e março, abril e agosto de 2012
…e sobre a exposição de 2012 na Casa da Cultura "Luiz Antônio Martinez Corrêa"…e os textos premiados de Elias Araújo: Dois ponteiros e alguns versos e Dois momentos
…e Outdoor, poema visual de Lígia Moscardini
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A Retrospectiva Produção Literária 2011-2013 contou com o apoio cultural das empresas Multi Cartuchos (16 3322-6235) e Foto Studio Araraquara (16 3335-9092).
1 de out. de 2013
A fuga, de Sônia Cassoli
A fuga
Sônia Cassoli
Juliana estava deitada na cama brincando com seu cachorrinho
de pelúcia branco com laço azul no pescoço. Ela o amava tanto! A mãe surgiu e
parou na porta. Viu os brinquedos coloridos no chão. Não acreditava no que via
e não adiantava falar à Juliana para arrumar a bagunça. Ela não queria: chorava
e fazia birra.
A última moda de Juliana era pedir aos pais para que a matriculassem na escola.
Ela já se achava crescida, queria conhecer outras crianças. A mãe não queria,
achava que a menina ainda era muito pequena. Ela então pedia ao pai que, por
sua vez, temia que algo pudesse acontecer à sua princesinha. Mas Juliana era
incansável. Pediu, pediu e pediu. E, lógico, como era filha única: conseguiu.
A mãe, muito prendada, bordou o uniforme, a toalhinha e um lencinho para a
filha levar à escola. O pai tinha uma oficina mecânica no fundo do quintal da
casa e se dispôs a levar e buscar a filha todos os dias. Ele tinha um antigo
monza preto muito bem conservado. Juliana estava feliz e orgulhosa por contar
com o apoio dos pais.
No primeiro dia conheceu a professora: a tia Maria. Ela recebeu um bonito
crachá amarelo, escrito com letras de forma, onde podia-se ler: Juliana
Pontieri. A sala de aula era bonita. Havia desenhos de bichinhos pintados na
parede e um varalzinho com prendedores coloridos onde eram expostas as atividades
dos alunos. As outras crianças eram todas mais ou menos de seu tamanho e muito
amistosas. Nesse dia, Juliana pintou um desenho lindo: o pai, a mãe e ela de
mãos dadas, tendo ao fundo um arco-íris. Tomou lanche no pátio e brincou no
balanço.
No fim do dia Juliana foi pra fila junto às outras crianças. Ao longe avistou o
carro do pai. Despediu-se da professora com um beijo e correu em direção a ele,
que a acolheu de braços abertos.Ela não cabia em si de tanta felicidade. Contou
ao pai todas as suas aventuras. Em casa, narrou novamente tudo o que havia
acontecido naquele dia. Exausta, dormiu como um anjinho.
No dia seguinte Juliana acordou agitada. Vestiu-se e colocou seu crachá. Não
via a hora de chegar à escola para descobrir quais atividades faria. De dentro
do carro, Juliana observava as ruas, as casas, as árvores e as pessoas. A
escola não ficava tão longe de sua casa. O percurso era de apenas cinco minutos
de carro. Ao sair Juliana abraçou o pai e correu para a fila.
Tia Maria havia programado uma atividade com massa de modelar. Juliana fez
cobrinhas, cestinhos e ovinhos. A garota ao seu lado era simpática e sabia
fazer um ursinho de massinha. Após a merenda, todos foram brincar nos tanques
de areia. Havia baldinhos e pazinhas à disposição. Juliana pegou um balde
vermelho e uma pá rosa. Gostou da combinação. Eram cores de meninas. Ela entrou
no tanque de areia contente e satisfeita com a aquisição.
Juliana colocou os pezinhos na areia, sentou-se e começou a cavar com a
pazinha. Não demorou muito e sentiu que alguém havia jogado areia em seus olhos
e na boca. Ficou assustada e incomodada com os grãos. Começou a chorar. Tentava
tirar a sujeira dos olhos e cuspia o que podia. De repente, ela ouviu uma
risada e identificou o autor da peça. Era um garoto ruivo, de cabelo
encaracolado, sardento e gordinho. Ela nunca havia visto a figura na frente. O
garoto saiu correndo, satisfeito com seu ato de maldade.
Juliana procurou pela professora aos prantos. Estava atordoada e suja. Tia
Maria viu tudo e mandou que Juliana lavasse as mãos. Depois disse que isso não
era nada e recomendou-lhe a entrar na fila junto às outras crianças. Isso era o
fim para a menina. Ela pensou: depois de tudo o que aconteceu comigo a
professora não vai fazer nada para me defender? E se esse menino me atacar
novamente? Quem vai me proteger?Porque a professora não se importou e me tratou
como uma criança qualquer?
Pois é! Justo ela: a queridinha do papai, da mamãe, dos avós, tios e primos.
Tão amada e agora tão maltratada. Ela não acreditava que havia passado por
tanto constrangimento. Estava humilhada e magoada. Sabia que não era uma
qualquer e pensou em jamais voltar para aquela fila e muito menos para aquela
professora desalmada. Esperta, percebeu o portão da escola entreaberto e
rapidamente fugiu por ele. Chorava muito, o peito doía, mas voltar para a
escola era o que não queria. Ela queria voltar para a casa e contar tudo ao
pai. Tinha certeza que ele bateria naquele menino malvado e mostraria à
professora o quanto ela era amada.
Juliana pensou que sabia voltar pra casa. Atravessou a rua correndo com medo
dos carros. Andou um quarteirão e não reconheceu mais onde estava. Começou a
chorar aos soluços. Virou-se de frente a uma parede, encostou a testa e chorou
sem parar. De repente, Juliana viu pela parede uma enorme sombra se aproximar.
Assustada, virou-se e viu um homem enorme, sujo e com cara de mau.
Sem dizer nada, ele pegou a criança pela mão e a fez entrar pelo portão de
ferro que ficava ao lado do muro. O lugar era estranho, tinha um cheiro forte e
era escuro. Juliana tentou resistir, mas o homem a segurou forte e a arrastou.
Ela chorou e gritou. O homem começou a ficar irritado, sentou-a em uma poltrona
improvisada de pneus e disse:
— Pare de chorar. Não vê que estou tentando resolver um problema?
A menina não conseguiu engolir o choro e tremeu assombrada por causa do lugar
escuro e do homem monstruoso. Severo, ele a encarou mais uma vez e somente
depois pegou um copo do balcão sujo e foi até pote de água, que ficava em cima
de uma cantoneira carunchada. Encheu o copo de água; em seguida, abriu um
armário que ficava ao alto. Pegou uma colher e despejou algo branco no copo e a
fez beber.
Ela não quis, mas o homem insistiu. Ela bebeu o líquido esquisito. Pensou que
era alguma coisa que a faria dormir para sempre e que nunca mais iria ver os
pais e os avós. O grandalhão ficou satisfeito e mandou-a esperar quieta. Ele
saiu e trancou o enorme portão de ferro. Juliana olhava para o muro e o portão.
Eram tão altos. Não havia meio de sair dali. Observou que onde estava só tinha
pneus velhos e fedidos, panos sujos e ferramentas esquisitas. Ela sentiu que
era seu fim. A cada minuto ficou mais agoniada.
Escutou passos e viu que o portão se abria novamente. Correu e escondeu-se
atrás da maior pilha de pneus do lugar. O homem horrível a chamou várias vezes,
mas ela não quis sair dali. Ele não era bobo; conhecia cada palmo daquele
lugar. E não demorou muito, logo a criança estava em seu colo gritando aos
prantos.
— Calma menina! Isso vai acabar logo.
Juliana não parava de pensar para onde aquele monstro a estava levando. Ela
gritou e ninguém ouviu. Ela mexeu as pernas, agarrou as roupas do homem, mas
era tudo em vão. Ele a levou para fora, a colocou em pé na calçada e
recomendou:
— Chega de choro! Logo isso vai acabar.
Juliana estava quase perdendo os sentidos, mas ao longe avistou o pai saindo do
carro. Finalmente, ele vinha salvá-la e ia bater naquele homem. Ela se viu
livre e correu ao encontro do pai, que disse:
— Filha, o que é isso? Por que você fugiu da escola? Estive por lá e a
professora estava procurando você por todos os lados.
A menina não quis saber mais de explicar coisa alguma. Desejou voltar pra casa
e pra mãe. Agarrou-se ao pescoço do pai e até o sufocou. Ela viu que o homem
estranho não havia fugido. Na verdade, ele se aproximou do pai. Novamente
assustada, a menina ficou sem fala. O homem apenas estendeu a mão à seu pai.
Ele era um velho conhecido. Eles se cumprimentaram e o pai agradeceu muito.
— Não precisa agradecer camarada. Quando vi a criança chorando, cheguei mais
perto dela e li o nome no papel pendurado. Logo, reconheci seu sobrenome e vi
que era sua filha. Pensei que, mais cedo ou mais tarde, você passaria aqui em
frente procurando a menina.
Juliana estava salva. Porém, não quis saber de agradecer ninguém. Ela entrou no
carro e sequer olhou para o rosto do bom homem. Desejou apenas voltar pra casa,
ficar junto à mãe, ao seu cachorrinho de pelúcia e aos seus brinquedos.
Araraquara, 09/08/2011
Este conto foi publicado originalmente no antigo blog da Produção Literária.
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