8 de nov. de 2012

A longa espera

Segue abaixo um conto de nosso colega Elias Araújo, composto a partir do exercício sobre Decisão Crítica proposto em aula.


A longa espera
Elias Araújo

Ele toca a campainha. E espera. Sabe que os passos vêm em sua direção. E espera. A porta abre-se lentamente. Uma voz de criança escapa pelo vão e viaja no calor da noite...

O ritual dura mais de dez anos. E no tempo entre tocar a campainha e esperar a porta ser aberta, a dor de lembrar dobra a última esquina e o devolve à luz dos faróis que vieram em sua direção.

* * *

Não houve muito tempo para pensar, nem para coisa alguma que não fosse parar de cantar a música que a nora havia começado dentro do automóvel, todos felizes com a descoberta do sexo do bebê. A colisão não foi tão brutal, mas a velocidade dos automóveis que se chocaram fizeram seu carro capotar duas vezes e descansar no escuro do outro lado da pista. Em poucos segundos ele voltou a si do atordoamento e saiu do carro, cambaleando. Quando pensou que ficaria em pé, sentiu a perna dobrar-se numa crescente dor. Estava quebrada. Gemeu e caiu.

Começou a chamar pelo filho e pela nora, mas ninguém respondia: o rapaz debruçado sobre o painel do carro, a moça com a cabeça jogada de encontro ao vidro. Pareciam apenas desmaiados, mas algo estava errado. Ele percebeu. Além do acostamento havia um barranco que descia, íngreme e assassino, até o riacho.

Tentou pensar rápido, torturado pela dor da perna partida. Se salvasse a nora primeiro, com o neto que viria dali a dois meses, o carro despencaria com o filho ladeira abaixo. Se tirasse o moço, não tinha certeza de qual seria a reação do automóvel. Chorou ao se lembrar de como fora difícil resgatá-lo da adolescência desregrada, quando então o menino também se metera em buracos e barrancos, levado pela falsa impressão de felicidade que as drogas lhe davam.

Sem pensar em mais nada além de salvá-lo de mais um buraco, ele arrastou-se até o carro, entrou com dificuldade, soltou o cinto e puxou o filho para fora. Depois tentou rastejar novamente, com a perna tentando contê-lo a qualquer custo. No entanto, teve de recuar no momento mesmo em que pôs a mão na maçaneta da porta de trás: o carro moveu-se lentamente. E caiu.

Ele só gritou de desespero quando vislumbrou um clarão de fogo.

* * *

Os olhos do seu garoto brilham em direção aos seus:

— Feliz Natal, filho!

E ele espera enquanto estende os pacotes embrulhados para presente. O moço pega. E o homem sabe que em seguida a porta será fechada em seu rosto: um convite para que vá embora. Há mais de dez anos ele vem no Natal e volta para casa, cabisbaixo, mas nunca desistente. No começo havia sido apenas um presente, quando o filho saíra de casa, incapaz de suportar a dor de ter sido preferido na hora do acidente. Gritara ao pai que nunca o perdoaria.

Mas sua grande qualidade era a persistência, impulsionada pelo amor paternal. 

Com o passar do tempo, o moço refez a vida amorosa. Casou-se novamente. Teve um filho. Agora o avô traz presentes para os três.

Fica esperando-o fechar a porta sem dizer nada, como nos outros anos. Mas desta vez o brilho nos olhos é diferente. O moço não diz nada: vira-se e entra. Sem fechar a porta. Os lábios do pai sorriem levemente. Os velhos olhos cansados sentem gosto de lágrima.  A porta está aberta. Um convite para ele entrar. Uma voz de criança invade novamente o calor da noite:

— É o vovô?


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